A dermatite atópica afeta de 10% a 14% das crianças em idade escolar e deixa marcas muito mais profundas do que se imagina
Sábado, dez horas da manhã. Diferentemente dos dias de semana, os corredores do Prédio dos Ambulatórios do Hospital das Clínicas de São Paulo estão vazios, impera um estranho silêncio que mais lembra um templo sagrado na ausência de seus peregrinos. Chegando-se ao quinto andar, porém, um grupo de pessoas, entre elas muitas mães e suas crianças, conversa em frente ao ambulatório de dermatologia, à espera de um ritual que acontece ali uma vez por mês. Uns são veteranos, outros iniciantes. O que todos têm em comum é mais que uma doença alérgica e incurável, são experiências boas ou ruins, quase sempre motivadas pela ansiedade, o desespero e a discriminação que eles sentem na pele, literalmente.
Além de São Paulo, a cena se repete regularmente em mais cinco cidades onde há os grupos de apoio para pacientes com dermatite atópica (veja quadros). Nessas reuniões predominam relatos de mães e pacientes adultos, que ensinam uns aos outros como conviver com uma doença que, embora não represente risco de vida, tem impacto brutal sobre a qualidade de vida de toda a família. “O prurido, mais intenso e freqüente à noite, interrompe o sono tanto da criança como dos pais, não é raro que eles passem toda a noite em claro. Isso se reflete no desenvolvimento das crianças menores, no rendimento escolar das crianças maiores e no desempenho dos pais no trabalho, formando um círculo de fatores difícil de ser quebrado”, explica Magda Weber, pediatra e dermatologista da Universidade Luterana do Brasil, em Porto Alegre.
PRECONCEITO
Não menos importante é a estigmatização que os pacientes sofrem devido às lesões na pele. Pesquisa feita junto ao grupo de apoio do Hospital das Clínicas de Porto Alegre mostrou que cerca de 60% dos pais relatam discriminação. Segundo Magda, “o preconceito e o constrangimento aparecem em todo lugar, por isso os pacientes buscam isolamento social, podendo haver importantes alterações de comportamento, que variam de agressividade e beligerância até timidez excessiva e depressão”.
Para poupar os filhos do preconceito, muitos pais acabam cain-do no erro da superproteção, como conta Felipe Camargo, 24, que sofre de dermatite atópica desde bebê: “na escola eu ouvia de tudo, que era sarnento, leproso, aidético. E meus pais colaboraram para eu me sentisse sempre o coitadinho, não aprendi a me defender. O preconceito permanece, só que hoje quando as pessoas me vêem com a pele meio ruim, elas mais pensam do que falam. Mas a gente também tende a supervalorizar o problema. A psicanálise e o grupo de apoio me ajudaram a lidar melhor com isso”.
"O que há de mais profundo no ser humano... é a sua pele"
Paul Valéry (1871-1945), escritor francês
AUTO-ESTIMA
O componente emocional também está intimamente relacionado ao controle da doença, como explica Maria Lúcia Cardoso Martins, psicóloga do ambulatório de dermatologia do Hospital das Clínicas de São Paulo: “muitos buscam apoio psicológico para aprender a superar seus limites, conviver socialmente, buscar o equilíbrio e evitar as crises, muitas vezes desencadeadas por estresse emocional”. Nos encontros do grupo de apoio em São Paulo, Maria Lúcia coordena a reunião com as crianças, feita separadamente da dos adultos. “A idéia é ter um espaço e uma linguagem voltada para as crianças, para que elas compartilhem suas dificuldades, o preconceito, a questão alimentar. Nosso foco é no processo adaptativo, em aprender a conviver com o problema. A auto-estima delas é muito comprometida”, diz a psicóloga.
CAMINHOS TORTUOSOS
Comparada às outras doenças que compõem a tríade atópica (asma, rinite alérgica e dermatite atópica), a dermatite é a menos conhecida pelos leigos, o que resulta, para a maioria dos pais, numa maratona angustiante que inclui toda a sorte de tratamentos alternativos que, além de não resolverem o problema, eventualmente o agravam. “A maior loucura que eu já fiz foi dar banho com o chá da casca de uma árvore, acabou sendo muito pior”, conta Dulcinéia Müller, cuja filha de 12 anos tem a forma grave da doença e nos últimos quatro anos foi internada cinco vezes devido a crises graves. O que motivava Dulcinéa e ainda motiva tantas mães nessas experiências perigosas é sempre a busca pela tão sonhada cura. O resultado é o acúmulo de frustrações. “Eles me perguntavam porque não sarava, isto funde a nossa cabeça e a deles também” diz Elenice Maria da Silva, que tem um filho de 15 anos, com a doença já sob controle, e outro de 12, que ainda sofre com as crises. “Já busquei todas as religiões e usei vários remédios de ervas. Saí dos médicos do convênio, fui para os particulares, mas hoje eu não saio mais daqui [do ambulatório de dermatologia e do grupo de apoio do Hospital das Clínicas de São Paulo]”, conta a mãe.
Para RobertoTakaoka, dermatologista e presidente da Associação de Apoio à Dermatite Atópica (AADA), os grupos de apoio valiosas também para os dermatologistas, que tendem a se prender ao lado objetivo da doença, ou seja, às lesões na pele. “Faz parte do nosso treinamento e freqüentemente nos esquecemos do que está por trás da doença, o lado em que cada paciente vivencia, à sua maneira, o problema no dia-a-dia. O grupo de apoio é uma experiência muito enriquecedora porque dá ao médico a oportunidade de ver aspectos que dificilmente seriam vistos durante a consulta. Sem considerar esse lado mais profundo dos pacientes, não podemos ajudá-los plena-mente”, afirma o médico.
“Descobri o grupo de apoio de Porto Alegre, há dois anos, numa matéria de jornal. Lá nos conscientizamos da importância do hidratante. Desde então
a dermatite dela está controlada e, mesmo assim, dificilmente perdemos as reuniões. Hidratante e grupo de apoio fazem parte da prevenção”
Christiane Casapiccola, cuja filha de 7 anos sofre de dermatite atópica leve desde os 9 meses.
Revista Diálogo Médico